quarta-feira, 1 de setembro de 2021

93º 2.18 - MÓDULO 7: COMUNICAÇÃO É ATUAÇÃO

 PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTO


IV. PROCEDIMENTOS E ATIVIDADES

Nos seis primeiros módulos, preocupamo-nos como um comunicante (falante ou escritor) leva uma notícia a outro comunicante (ou outros comunicantes). Aprendemos que a notícia pode apresentar mais de um fato e que os fatos podem estar em relação de causa e efeito (respectivamente condição ou concessão).

Mas é preciso entender bem que não entendemos por comunicação simplesmente a transmissão de uma notícia, alguma mensagem. Comunicação é muito mais que simples transmissão. O comunicante atua sobre o outro (os outros). Mesmo que se trate apenas de notícias, o comunicante age sobre os seus parceiros de comunicação: quando transmite uma notícia, ele solicita (exige, pede) que o outro comunicante tome uma certa atitude.


ATIVIDADE Nº 1 

São duas as possibilidades de atuação da notícia:

1ª POSSIBILIDADE

O falante solicita que o ouvinte (os ouvintes) ou o escritor (o escrevente, o que escreve) solicita que seu leitor (ou leitores) aceitem a notícia como verdadeira: devem crer, acreditar no que ouvem ou leem. A atitude é de crença. E muitos, sobretudo os professores, em sala de aula, ainda exigem de seus alunos não só que acreditem, mas também que guardem de memória e que não esqueçam jamais.

EXEMPLOS  

O professor diz:

Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil no ano 1500.

A capital do Estado do Paraná é Curitiba.

As cores nacionais do Brasil são verde e amarelo.

Sete vezes oito é cinquenta e seis.

Não se contenta, realmente, o professor com o fato de que o aluno acredite em tais notícias. Ele exige, depois, na prova, que o aluno saiba tais notícias (informações) de cor. Mais importante do que decorar informações é formar nos alunos a capacidade de raciocinar e a capacidade de encontrar as informações de que necessitar, em suas fontes, livros, dicionários, bibliotecas…



Acontece que a notícia verdadeira não se distingue da falsa em linguagem.

EXEMPLOS  

Exemplos de notícias falsas:

Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil no primeiro ano do século XVI. (Verdade: no último ano do século XV.)

A capital do Estado do Paraná é Florianópolis.

As cores nacionais do Brasil são azul e branco.

Sete vezes oito é cinquenta e oito.

Quem não conhece os fatos, não sabe distinguir, pela linguagem, qual é a notícia verdadeira e qual é a falsa. É isso que torna a mentira possível: a linguagem não trai o mentiroso!

É preciso distinguir entre a verdade e a falsidade (a mentira) ou conhecendo os fatos ou procurar averiguar os fatos em fontes idôneas, nas quais se pode confiar.

Tanto o homem honesto, quanto o mentiroso pedem que os outros acreditem em sua notícia: solicitam a atitude de crença. É mais um motivo por que devemos desenvolver nos nossos alunos a capacidade de refletir, raciocinar.

EXEMPLO

Dois vendedores, em duas lojas diferentes, poderão dizer a mesma coisa:

Pode comprar este terno, porque ele não encolhe e não amassa.

O freguês compra, confiando nas palavras do vendedor. O que pode acontecer? Os fatos futuros lhe poderão mostrar que um disse a verdade, mas que o outro mentiu. Pois, com o tempo, o freguês nota que um terno, na primeira lavagem, encolheu e que amarrota facilmente: é só pôr uma vez. O outro terno, com o correr do tempo, demonstra que não fica enrugado e que não encolhe.

Agora vejam bem: os dois vendedores transmitiram a mesma notícia. Os dois solicitaram o mesmo: a crença do freguês em suas palavras. Não é a linguagem que distingue entre a mentira e a verdade.

Como todos somos humanos, isto é, falhos, sujeitos a enganos e erros, mesmo os professores, os cientistas e até os bem intencionados, é preciso capacidade de raciocínio para decidir como leitor ou ouvinte se a gente aceita ou não a notícia.


2ª POSSIBILIDADE

O leitor ou o ouvinte recebem a notícia e não demoram muito em descobrir que a notícia não é verdadeira. O primeiro comunicante nem sequer tinha a intenção de pedir que os outros acreditassem. A atitude que deseja provocar nos ouvintes ou leitores é o prazer, a satisfação, a alegria. É o caso das notícias fictícias, que já estudamos em módulos anteriores. É o caso das piadas (anedotas, histórias de pescadores ou caçadores) que procuram o prazer pelo riso, pelo menos o sorriso, senão a gargalhada. E é ainda o caso da Literatura (desde a infantil até os grandes romances e os poemas), que procuram despertar o sentimento do prazer íntimo, o sentimento do belo — da beleza em suas mais variadas formas. Literatura é ficção: não precisa ter acontecido (mas pode ter acontecido; poderia ou não ter acontecido).

UMA NOTÍCIA DA HISTÓRIA DO BRASIL - Medidas de Economia de D. Pedro (Título da notícia)

D. Pedro, ao assumir o governo, após a partida de D. João VI para Portugal, lutou com sérias dificuldades financeiras, porque a Corte Portuguesa levara quase todo o dinheiro a Lisboa. Ordenou severa economia: reduziu seus gastos pessoais e os de seu palácio, extinguiu os cargos supérfluos, impediu novas nomeações, estabeleceu rigorosa fiscalização das coletorias e exigiu um orçamento da receita e da despesa, o primeiro que se fazia no Brasil. Entregou os palácios do centro da cidade a repartições públicas para economizar o aluguel, e passou a residir em São Cristóvão.



TRÊS NOTÍCIAS DE HUMBERTO DE CAMPOS

TÍTULO DA 1ª Desculpa de Boêmio

Dois boêmios, saindo de um clube ao amanhecer, trazendo na cabeça o vapor e algumas garrafas de champanhe, passaram a discutir a propósito do Sol, que se levanta no horizonte:

– Aquilo é o Sol; por Deus do céu que é o Sol! – diz um, mal seguro das pernas.


– Que Sol, nada! Aquilo é a Lua – assegura o outro.

– É o Sol!

– É a Lua!

De repente, encontram os dois um terceiro noctívago, que se recolhe nas mesmas condições, e resolvem interpelá-lo, tomando-o para árbitro:

– Camarada, diga-nos cá uma coisa: aquilo é o Sol ou a Lua?

O recém-chegado estaca, o corpo em oscilação, olha para o nascente, onde o Sol irradia, e declara:

– Homem, eu mesmo não sei...

E, numa guinada:

– Eu sou estrangeiro…


TÍTULO DA 2ª Sangue e flores

Votava-se no Senado a Lei do Ventre Livre, a 28 de setembro de 1871. Nas tribunas do Senado, repletas, apareciam as figuras mais eminentes do mundo diplomático, e entre essas o ministro dos Estados Unidos. A discussão do projeto foi brilhante e vigorosa, sob a presidência de Abaeté. E quando, pela votação, se verificou a vitória de Rio Branco, o povo que enchia as galerias irrompeu em manifestações ao grande estadista, lhe lançando sobre a cabeça braçadas e braçadas de flores.

Terminada a sessão, o ministro dos Estados Unidos desceu ao recinto para felicitar o presidente do Conselho e os senadores que haviam votado o projeto. E colhendo, com as próprias mãos, algumas flores, das que o povo atirara a Rio Branco, declarou:

– Vou mandar estas flores ao meu país, para mostrar como aqui se fez, deste modo, uma lei que lá custou tanto sangue!

Observação :

A Lei do Ventre Livre foi proposta por Rio Branco. Segundo esta lei, os filhos das mães escravas seriam livres, isto é, não mais seriam escravos. Conforme essa lei, depois de uma geração, não mais haveria escravos no Brasil. Mas a escravidão foi extinta antes pela Lei Áurea, que aboliu de vez a escravidão no Brasil no ano de 1888. A libertação dos escravos provocou nos Estados Unidos uma prolongada e sangrenta guerra civil.


TÍTULO DA 3ª A Rã e o Sabiá

A noite começava a apagar, ao longe, com o seu manto escuro e pesado, a fogueira que o Sol acendera nas nuvens do ocidente, quando o sabiá, que, de um galho baixo – minúsculo Nero de penas – acompanhara, cantando, o incêndio daquela Roma intangível, percebeu que o chamavam:

– Psiu!... psiu!..., ó amigo!... Era você que estava cantando?

O sabiá virou o bico na direção do solo, e viu quem falava. Era a rã, o batráquio inchado e inofensivo, que, a gorja palpitante, parecia aguardar a resposta.

– Era eu mesmo! Por quê? – respondeu a ave, desconfiada.

A rã fez um arzinho de riso galhofeiro, e informou:

– Não é por nada. É que eu ouvi dizer que você era a garganta mais afinada, mais harmoniosa de toda a floresta. Mas estou vendo que me não disseram a verdade.

– Não é, acaso, da mesma opinião?

– Absolutamente. Eu própria, sabe? Eu própria canto melhor.

– Você? – fez o sabiá, achando graça. – Você?

– Não ria, não! – tornou a rã – eu canto melhor do que você. E se quiser, apostemos!

– Está fechado. Vamos escolher dez juízes, dez bichos insuspeitos, que terão de dar o veredicto.

Durante dois dias trabalhou aquele pequeno mundo na escolha dos dez membros do Conselho de Sentença. E ao começo do terceiro, era anunciada a composição do júri, do qual faziam parte o canário, a graúna, o gaturamo, o japim, a pipira, o coleiro, o corrupião, o sapo e a tartaruga.

– Excelente! – pensou o sabiá, contente, ao verificar que a maior parte dos jurados era de aves canoras, que poderiam compreender, perfeitamente, a sua superioridade sobre o competidor.

À hora da prova, o sabiá empoleirou-se em um galho verde, que o vento balançava, e começou a cantar. Cantou as matas natais, cantou o crepúsculo, cantou a saudade imensa e profunda da natureza agonizante.

Ao terminar, a rã coaxou monotonamente uma, duas ou três vezes, e deu por findo o seu esforço. E quando se passou à apuração, o papagaio, que presidia a sessão, leu o resultado:

– A favor da rã, oito votos; e a favor do sabiá, dois.

E logo:

– Saiu vitoriosa a rã, por oito votos contra dois!

Todos baixaram a cabeça constrangidos. À saída, conversava-se sobre o fato, ou antes, sobre o escândalo, quando o sapo declarou, solene, as mãos na cava do colete:

– Eu por mim, votei no sabiá.

– Eu também! – confessou a tartaruga, enxugando o rosto com o lenço.


COMPARAÇÃO ENTRE AS QUATRO NOTÍCIAS

Antes de mais nada você deve observar que, nesses quatro exemplos, a notícia era maior, mais completa, do que as notícias que apresentávamos nos seis primeiros módulos.

Essa diferença, vamos deixá-la de lado por enquanto.


Vamos ao exame:

Medidas de Economia de D. Pedro

O autor da primeira notícia apresenta fatos históricos, fatos ocorridos na História do Brasil: as diversas medidas de economia tomadas pelo Príncipe D. Pedro, antes de tornar o Brasil independente. Repare que a linguagem é seca e sem enfeites. Mas não é essa a distinção fundamental; a linguagem podia ser linda e enfeitada. A característica principal dessa notícia é que deve, tem a obrigação de apresentar os fatos como realmente sucederam. Se o autor mente, só podemos descobrir se consultarmos livros históricos (diferentes desse de que foi retirado o trecho) e se todos trouxerem a mesma notícia, apresentarem os mesmos fatos, só podemos chegar a uma única conclusão: trata-se de ciências, de linguagem científica – é HISTÓRIA.


Desculpa de Boêmio

Observe a última linha (a última notícia, dentro da notícia integral): “Eu sou estrangeiro...”. É evidente que, em qualquer país, o Sol e a Lua se distinguem do mesmo modo. Não era por ser estrangeiro, que ele era incapaz de distinguir os dois astros: estava bêbado, mesmo.


A Rã e o Sabiá

A ficção é evidente: a notícia é fictícia, pois quem não sabe que rã, sabiá, papagaio, sapo e tartaruga não falam?


Sangue e flores.

Das quatro notícias, a mais difícil de distinguir é esta. A votação da Lei do Ventre Livre no Senado, a 28 de setembro de 1871, é um fato histórico, é verdadeiro. Como são fatos históricos a presidência de Abaeté e a atuação de Rio Branco. Entretanto, observe que os fatos importantes para a História do Brasil servem apenas como introdução para outros fatos e que não tiveram importância alguma nos futuros acontecimentos da história da nossa Pátria: se os assistentes irromperam em manifestações, se lançaram flores (será que o autor não exagerou afirmando “braçadas e braçadas de flores sobre a cabeça”?), se o embaixador dos Estados Unidos colheu algumas flores, se fez aquele comentário, se mandou ou não as flores…

O que é comum às três notícias de Humberto de Campos? A beleza da linguagem: a linguagem literária deve ser especialmente bela, pelo colorido, pelo vigor — ela tem que ser poética. A linguagem científica pode (apenas) ser poética.

Com essas considerações, vamos às perguntas.




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